sábado, 6 de dezembro de 2014

ÍNDIOS DO BRASIL

O escrivão Pêro Vaz de Caminha (1450-1500), que integra a frota de Cabral, encarregado de descrever essa “nova terra” ao rei de Portugal, Dom Manuel (o venturoso), destaca na sua carta, os principais objetivos dessa armada portuguesa, dentre os quais a busca pelo crescimento económico dos ideais mercantis, a expansão dos ideais cristãos e a afirmação de Estado português. Vejamos alguns trechos dessa carta de Caminha, escrita nos primeiros dias de maio de1500:
[...] Esta terra, Senhor, é muito chã e muito formosa. Nela não podemos saber se haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal; porém, a terra em si é de muitos bons ares [...] as águas são muito e infindas. Em tal maneira (a terra) é grandiosa que, querendo aproveitá-la, tudo dará nela, por causadas águas que tem. Porém, o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza nela deve lançar. E que não houvesse mais que ter aqui Vossa Alteza esta pousada para a navegação [...], isso bastava. Mas ainda, disposição para nela cumprir-se – e fazer – o que Vossa Alteza tanto desejava, a saber o acrescentamento da nossa Santa Fé! [...], pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez por assim pelo miúdo. Beijo as mãos de Vossa Alteza. Desde Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. (CAMINHA, Carta 1500)
Esse trecho da carta exemplifica o que já foi dito acima. Observemos uma descrição espacial do meio da “gente” que nela habitava.
[...] Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. [...] Eles não lavravam, nem criavam. Não há aqui boi nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem qualquer outra animália, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente de frutos, que a terra e as árvores de si lançam [...]. (CAMINHA, Carta 1500)
Vemos aqui uma breve descrição dos seres “semelhantes a homens” que os portugueses viram na costa dessa terra desconhecida do mundo europeu

 [...] A língua de que (os índios) usam, toda pela costa, é uma: ainda que em certos vocábulos difere em algumas partes; mas não de maneira que se deixem de entender. [...] Carecem de três letras, convém a saber, não se acha nela F, nem L, nem R, coisa digna de espanto, porque assim não tem Fé, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vivem desordenadamente [...] (GÂNDAVO, 1576).
Esses homens chamados índios, devido às primeiras intenções dessas expedições marítimas em busca das rotas rumo as índias orientais, em princípio foram o grande alvo de discussões dos séculos que se seguiram. Bem como Gândavo mencionou, esses homens não possuíam os fundamentos ocidentais, rei para governar com mãos fortes e poder absoluto, lei para manter a ordem e a civilidade e ter a fé católica e seus valores. Mas também mostrava o interesse dos europeus em conhecer toda essa gente

TUPI-GUARANI
Segundo Berta Gleizer Ribeiro, o povo que Pedro Álvares Cabral encontrou na costa do atual estado da Bahia, era chamado de Tupiniquim, pertencendo à grande família Tupinambá do tronco linguístico tupi-guarani, localizados na costa. Foram esses tupis, que informaram os primeiros cronistas e jesuítas a que havia uma “divisão” entre os que povoavam a terra: seriam os que falavam a língua deles e tinham os “mesmos” costumes e todo aquele que não era assim foram chamados de tapuia, que para Berta Ribeiro significa “escravo” – também pode significar o “outro”. Essa divisão serviu principalmente para adistinção dos indígenas do litoral dos do que residiam no sertão. Os tupi viviam numa estreita faixa ao longo da costa, de São Paulo até o Pará. A primeira gramática de sua língua foi escrita pelo padre José de Anchieta. A língua guarani era falada de São Paulo ao Rio Grande do Sul, bem como no Paraguai, onde ainda hoje é de uso tradicional entre a população rural e mesmo da capital, Assunção e na zona de fronteira no sul de Mato Grosso. Usualmente, os tupi, habitantes do litoral, eram chamados de tupinambá, sendo divididos em diversos grupos locais. Os Tupiniquim e Tupiná na região de Porto Seguro e Espírito Santo; Os Tamoio e Temirnino do rio Paraíba até Angra dos Reis; Os Carijó do rio Cananéia até a Lagoa dos Patos; Os Tape no litoral rio-grandense; Os Caeté na região do rio São Francisco até o rio Paraíba; Os Tabajara do Itamaracá até o rio Paraíba; Os Amoipira na região do São Francisco; Os Potiguares que abrangiam as regiões da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará e os Tupiná na área mais próxima do interior de Pernambuco. Foram os tupi que, no decorrer da presença portuguesa , mais influenciaram na formação da sociedade brasileira. Os tupi, também ficaram conhecidos por uma lenda que era contada ao longo das gerações e foram repassadas aos colonos portugueses. Era a lenda de que havia uma legendária “terra sem males” ou um “paraíso terrestre” em algum lugar, e esse conto, foi de bastante ajuda na catequização dos mesmos, uma vez que se convertendo a Cristo, teriam a salvação e a vida eterna e iriam para a “terra prometida”.
OS “TAPUIAS” eram chamados genericamente de “tapuia”, eram grupos filiados numa família linguística de língua isolada, ou seja, os não tupi. Para Berta Ribeiro, são povos de cultura material mais simples, no entanto, a maneira como organizam a vida em sociedade é bem mais “complexa” e “elaborada” que a dos tupi-guarani ou dos povos da floresta tropical.
Na verdade, quando os portugueses chegaram à costa brasileira, ainda havia algumas tribos ditas “tapuias” .Os “tapuias” ou os de língua jê, encontravam-se distribuídos da seguinte forma: os Guaianá, onde os seus descendentes são os Kaingáng, na região de São Paulo e Paraná; os Goitacá ou Guaitacazes na região do Rio de Janeiro e Espírito Santo que no século XIX serão chamados de Puri, Coroado e Coropó; Os Aimoré ou Botocudos (hostis) na região da Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo, são os mais temidos do período colonial português; os Karirina região onde hoje é o Nordeste, são um dos “tapuias” mais famosos do Brasil; Kaypó ou Ibirajara meridionais relatados pelo padre Anchieta; os Tarairiu, também da região Nordeste, aparecem na literatura de cronistas holandeses como Marcgraf, Barleus, Roulox e outros. Outros povos também chamados de “tapuia” são os Malili, os Kamakã e os Makali, pois possuem línguas independentes. Gabriel Soares, um oficial português, escreveu em 1587 sobre os índios Guaianá: “[...]é gente de pouco trabalho [...]; se encontram com gente branca, não fazem nenhum dano, antes boa companhia, e quem acerta de ter um escravo Guaianá não espera dele nenhum serviço, porque é gente folgazã de natureza e não sabe trabalhar.”
 Podemos ver como as conceções de trabalho dos europeus eram bastante diferentes do das culturas indígenas. Os índios normalmente dividiam as suas tarefas por sexo e por idade, ou seja, as mulheres cozinhavam, cuidavam das crianças, plantavam e colhiam; já os homens participavam de atividades guerreiras, da caça, de pesca e do derrube da floresta para fazer a lavoura. A sua produção destinava-se à subsistência, realizando apenas trocas rituais de presentes – ritual que foi essencial para os contatos com os colonos portugueses. Dos povos que os portugueses encontraram em 1500, restam pequenos grupos muito como os Potiguares e Pataxós, na região entre Paraíba e Bahia; os Tupiniquim na região do Espírito Santo; os Guarani, nas regiões de São Paulo e Mato Grosso; os Kaingáng na região sul. Constituíam uma espécie de ilhas no meio da população “neobrasileira”




ASCENSÃO DA ESCRAVIDÃO NEGRA
A mão-de-obra indígena não supria as exigências dos engenhos,  era difícil sustentá-las nas fazendas  o que estava a gerar muito prejuízo aos colonos. Pouco a pouco, os senhores dos engenhos começaram a comprar escravos vindos da África. Segundo Stuart Schwartz, em fins do século XVI, a mão-de-obra dos engenhos era mista do ponto de vista racial, e a proporção foi aumentando em favor dos africanos importados e sua prole. Schwartz também apresenta dados sobre esses acontecimentos: “Em 1572, o Engenho Sergipe possuía 280 escravos adultos, dos quais apenas vinte (7%) eram africanos. Em 1591, a população cativa do engenho era de 103 indivíduos, 38 (37%) deles africanos. Em 1638, quando a propriedade foi arrendada a Pedro Gonçalves de Matos, havia 81 escravos, todos eles africanos ou afro-brasileiros. ”Na verdade, a transição para uma força de trabalho africana foi efetuada nas primeiras décadas do século XVII, época em que a indústria açucareira experimentava rápida expansão e considerável desenvolvimento interno devido aos altos preços internacionais do açúcar, do crescimento do mercado europeu e, de acordo com Schwartz, também a questão da paz nos mares com a trégua dos doze anos entre Espanha e Holanda (1609-1621).A visão que se tem do negro é que ele tem certa “predisposição” ao trabalho escravo. Para Schwartz,
[...] Os africanos sem dúvida não eram mais “predispostos” ao cativeiro do que índios, portugueses, ingleses ou qualquer outro povo arrancado da sua terra natal e submetido à vontade alheia, mas as semelhanças da sua herança cultural com as tradições europeias valorizavam-nos aos olhos dos europeus. A suscetibilidade dos índios de todas as idades às doenças europeias aumentava o risco do investimento de tempo e capital para treiná-los em trabalhos artesanais ou de fiscalização. [...] A saúde e a perícia dos africanos, bem como a sua pouca oposição ao cativeiro, podem explicar a relutância dos senhores de engenho em investir no treino de escravos indígenas; [...] (SCHWARTZ, 1988, p.70).
No Brasil, a posição relativa dos cativeiros indígenas e africanos na força de trabalho da indústria açucareira, para Schwartz, pode ser vista na sua forma simples e crua nos preços relativos de indivíduos dos dois povos. O preço médio de um africano em ocupações durante os anos de 1572 era de 25 mil-réis enquanto o dos nativos com as mesmas ocupações valiam cerca de 9 mil-réis. Somente indígenas com ocupações artesanais - carpinteiros, caixeiros e calafates – possuíam o “devido valor”, semelhante aos dos africanos.

 208.1 A IGREJA E A ESCRAVIDÃO
A escravidão, inicialmente dos índios e posteriormente dos negros africanos, foi um fator decisivo para a implantação da grande lavoura canavieira no Brasil. Por isso, em plena dita “Idade Moderna”, de acordo com a mentalidade colonialista, justificava-se a escravidão com os seguintes argumentos: os índios eram criaturas bestiais, antropófagas, supersticiosas e desprovidas de razão e da fé cristã, portanto, sujeitos ao domínio civilizacional da Europa; A escravidão era imprescindível à formação do Brasil, pois os escravos eram os “pés” e as “mãos” dos senhores de engenho; os africanos, descendentes de Caim e amaldiçoados por Deus, deveriam sofrer no Brasil, purgando seus pecados, como forma de alcançar a salvação; o comércio de escravos e a propagação do cristianismo retiravam os africanos do estado de barbárie em que viviam, evitando que os mais fortes destruíssem os mais fracos em guerras tribais. “Oh se a gente preta tirada das brenhas da sua Etiópia, e passada ao Brasil conhecera bem quanto deve a Deus e a sua Santíssima Mãe por este que pode parecer desterro, cativeiro e desgraça e não é senão milagre e grande milagre!”(Padre António Vieira, 1633)
[...] Os senhores poucos, os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando; os escravos perecendo a fome; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses; os senhores em pé apontando para açoite, como estátua da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás, como imagem vilíssima de servidão e espetáculos da extrema miséria. Oh Deus! Quantas graças devemos à Fé que nos destes, [...] para que à vista destas desigualdades reconheçamos com tudo vossa justiça e providência! [...].
(Sermão do Padre António Vieira) Na verdade, os colonos portugueses em geral não se sentiam propensos a renunciar ao controle dos índios, especialmente quando podiam ser obtidos por uma “ninharia”, e demonstraram essa aversão com protestos e manifestações políticas, particularmente nos anos de 1609 e 1640.

VISÃO INDÍGENA: DE ONDE VIERAM OS EUROPEUS?
Os europeus procuraram uma explicação coerente e homogénea sobre a origem dos índios. Até hoje, não se sabe exatamente. Existe a versão religiosa e a cientifica. Quanto aos índios, o que pensaram eles dos europeus? Para Melatti, cada sociedade indígena tem uma resposta diferente. O único consenso, é que a maioria dessas explicações estão fazem parte de relatos míticos contados pelos mais antigos e passados de geração em geração. Neles essa questão aparece não raro ligada a uma outra: a de explicar porque os indígenas se acham numa situação de subordinação, de povos dominados, perante os brancos. É tema digno de questionamento. Porque os índios procurariam explicar a sua “inferioridade” técnica perante os europeus? Porque se considerariam eles inferiores e “constrangidos” frente a civilidade branca? Se se contavam essas histórias nas tribos, porque é que os índios não procuraram tal civilidade? E para terminar, esses mitos foram forjados antes ou depois da presença europeia?
 
REFERÊNCIAS
MELATTI, Julio Cezar. De onde vieram os índios. In:Índios do Brasil. 7.ed. São Paulo:HUCITEC; Brasília: EDUNB, 1993. cap. 1, p.5-18.MONTEIRO, John Manuel. Contato, alianças e conflitos. In: Negros da terra: índios ebandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. cap. 1, p.29-36.-FUNARI, Pedro Paulo A.; NOELLI, Francisco Silva.
Pré-História do Brasil: As origens dohomem brasileiro, O Brasil antes de Cabral e Descobertas arqueológicas recentes. 2.ed. SãoPaulo: Contexto, 2005.RIBEIRO, Berta Gleizer. O Brasil indígena. In:___.
O índio na história do Brasil. 6.ed. SãoPaulo: Global, 1983. cap. 2. p.19-40. Os aborígenes descobrem o europeu.
Revista USP: dossiê quinhentos anos de América, São Paulo, n. 12, dez./jan./fev. 1991-1992. p.37-47.SCHWARTZ, Stuart B.
Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. SãoPaulo: Companhia das Letras, 1988. cap. 2;3, pp.40-56;57-73.
OUTRAS REFERÊNCIAS
CAMINHA, Pero Vaz. Carta ao rei de Portugal. 1500.GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Crônicas e História da terra de Vera Cruz. 1576.RELATOS. “Avulsos” do século XVI.

https://www.academia.edu/6110140/PRIMEIROS_CONTATOS_ENTRE_NATIVOS_E_EUROPEUS_S%C3%89CULO_XVI_Coloniza%C3%A7%C3%A3o_portuguesa